A TRANSMISSÃO DA ARTE DE SE TOCAR VIOLA
por Rui Torneze
ilustração Júlio Vaz/Reprodução
Certa feita, uma aluno ja adulto, o Cristiano, de origem interiorana lá das bandas de Guaratinguetá-SP, me procurou ávido para o aprendizado do instrumento. Disse-me que seu avô é violeiro na sua região, mas que sempre ao interpelá-lo nas questões relativas aos toques da danada, a resposta era sempre a mesma: "viola não se ensina e se ensiná é bem capaz que o tocador perca a arte". Ao saber que o neto estava sendo iniciado e interessado mesmo, aí é que passou a nem mais tocar por perto, com medo de ter sua magia subtraída pelo rapaz.
Alguns meses depois, ao ver o neto já com relativa desenvoltura ao instrumento, ficou o avô muito contente e passou a convidá-lo para tocar junto, acreditando talvez que a fase mais delicada da "absorção" já teria seu nefasta efeito dado como inócuo.
Confesso que no início do meu aprendizado, há muitos anos atrás, deu-se também nesse mesmo universo. O violeiro observado não podia desconfiar que estava tendo seus toques anotados ou que estava sendo assistido por um interesse além da simples admiração. Perguntar algo sobre os toques? Jamais!
Essa crendice deve ter atrasado a vida de muita gente boa e certamente teve seu efeito contrário.
Sempre digo aos meus alunos que aprendo muito mais com eles com eles do que eles pensam que estão aprendendo comigo.
Viola, hoje em dia, se ensina sim senhor! Vide a Universidade de Brasília - UnB e a Universidade Livre de Música Tom Jobim - ULM - em São Paulo, formando a vanguarda dos violeiros e garanto que os respectivos mestres estão ficando cada vez melhores, quanto maior a horda de seus pupilos.
Porém uma coisa é certa: a parte mais interessante do estudo é o contato em campo direto com os violeiros matutos e sua cultura, pois só assim, bebendo-se diretamente da fonte, é que as sutilezas e as minúcias dos toques regionais e aquele sotaque caipira na execução do instrumento poderão ser assimilados.
A arte da viola caipira nasceu no seio do povo e este é o depositário de sua cultura. Aquele que tem a vontade de dedilhar o instrumento pode até não ter a consciência disso, mas é como um filão de uma jazida, pois já carrega dentro de si preciosas pepitas, bastando apenas que a terra seja revolvida, colocando tais preciosidades ao brilho do sol.
Sou um desses garimpeiros de viola.
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