quinta-feira, 7 de maio de 2009

Conversa de Caboclo

CONVERSA DE CABOCLO

Logo que a estrada de ferro Rio-Minas chegou ao município de Três Corações do Rio Verde, MG, a curiosidade dos locais, principalmente os chegantes das roças, dava margem pra criatividade natural do caipira. Corria gente de todo lado tocada por aquela novidade: bichão esfumacento que ronca e berra cumo o cão!

Não demorou, dois camaradas da fazenda da Cotta - região de São Tomé das Letras, mas mais cá em baixo, perto das barrancas do Rio Verde, onde o progresso era palavra sem serventia, pois que a vida ali era como Deus mandava e a toada era sempre a mesma - foram dar com o costado na cidade pra espiá de perto o bruto, como foi logo chamada a composição novidadeira. Hora e meia antes da chegada do horário, já eles estavam na estação, numa espera impaciente.

Quando o trem se avizinhou na curva do Canto do Rio, a locomotiva apitou, anunciando a aproximação. Era ver o inferno fumegante se achegando.
- Ara, bicho de berro bão, sô! - disse um deles - Isso sim! Isso é que eu chamo tê sustança. Óia só procê vê!

Após a chegada, enquanto os passageiros desembarcavam e havia a manobra habitual, os dois companheiros não contiveram de curiosidade e foram espiar de perto aquela trapizomba, noticiando o descoberto:

- Ô lôco, cê é bôbo, sô! Mas me diga só uma coisa: que idade tem esse bicho? Cê tá é besta...

- É... cumo esse eu nunca vi! Cumé que esse dianho pode cum tanto carro na cacunda?

- Tão dizeno que ele saiu ´inda hoje lá dos Rio de Janêro... vai tê fôrgo ansim no inferno!

- É, cumpade, mas ele tá suado, espia só: tá pingano suó daquele cano. Ele tá mas é afrontado... despropósito sem tamanho!

- Que o quê! O bicho já véve no prumo, tá acostumado na lida. Inda agora, se ele estralasse na junta, ia batê com o costado de novo lá no estado carioca.

- Isso sim, que beleza! Num tem de ponhá cangaia, espia, nem num tem que dá de comê, é só água e fornaia quente... mas é carvão pra mais de metro, cê é bobo, sô! Agora, tem uma coisa: se esse um enfiá o dedo no cadarço da cerôla, num aproveita nem o côro de quem tá dentro...

O maquinista, que tava ali assuntando o diálogo, quis dar um susto naqueles dois e puxou o cordão do apito. Os peões pularam, arregalaram os olhos - mesmo que ver o capeta - um com o chapéu nas mãos fazendo o pelo sinal e o outro o apertando forte de encontro a cabeça, como arma de defesa. Foi que, enfim, um deles falou:

- Corre, cumpade, simbora que o bicho tá estranhano nóis!...

Conto de Pinho inspirado em texto do livro “Cantadores”, de autoria de Leonardo Motta, de 1921, Livraria Castilho - RJ.

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